quinta-feira, 31 de maio de 2012

Trabalhador tem sido tratado como mercadoria

Funcionários descartáveis

Trabalhador tem sido tratado como mercadoria

O ordenamento jurídico da modernidade foi edificado sob o binômio dever ser/sanção. As normas de conduta estabelecem determinados comportamentos. Se violados, ensejam a aplicação de certa penalidade. O Estado-juiz atua somente quando provocado, em caso de ameaça concreta ou após a ocorrência de lesão.
A intensificação do conflito social, que marcou as últimas décadas, veio demonstrar que isso não era suficiente para que o Direito pudesse cumprir seu objetivo de dirimir conflitos e obter a pacificação social com justiça.
Nestes tempos de sociedade líquida, como define o sociólogo Zygmunt Bauman, a estratégia de obsolescência programática, que num primeiro momento foi engendrada para estimular a atividade econômica, chegou a um impasse.
Com efeito, o que se convencionou denominar “obsolescência programada” surgiu como alternativa na primeira metade do século passado, visando estimular a atividade industrial para superar a grande depressão causada pelo crash de 1929. Consistia na prática de reduzir a vida útil dos equipamentos para poder vender mais e, assim, impulsionar a retomada econômica. Com o tempo, consertar o que estava quebrado ficou tão caro, que era melhor jogar fora e comprar um novo. Jogar fora o “velho” produto e comprar a última novidade tecnológica devia ser estimulado, porque se as pessoas continuassem a comprar, a atividade econômica permaneceria aquecida e todos teriam emprego.
Entretanto, a intensificação deste processo de troca do “velho” (embora ainda passível de conserto) pelo novo, também levou ao desperdício de grandes quantidades de matéria-prima, água e energia, não só das utilizadas na produção dos que estão sendo jogados fora, mas também dos que são freneticamente produzidos para durar pouco, o que vem causando sérias preocupações quanto ao esgotamento dos bens da natureza, provocando danos ao ecossistema e ao meio ambiente, e comprometendo as condições de vida das próximas gerações.
Neste sentido o documento intitulado O futuro que queremos, recentemente divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU)[1], chamando atenção para a importância de uma governança ambiental, diretriz que serve de referência também para o ambiente onde o trabalhador passa grande parte de sua vida produtiva.
Mas não é só.
Esse modus operandi marcado pela “lógica do descarte”, calcado na ideia matriz de que tudo tem que ser substituído rapidamente, vem gerando uma mentalidade que passou a ser aplicada também em relação à própria pessoa do trabalhador, sua segurança, saúde, integridade física e mental.
Este artigo se propõe a examinar tais questões, focando a análise em seus desdobramentos no meio ambiente de trabalho e os efeitos que provoca na formação de um novo padrão normativo.
A lógica do descarte
O intercâmbio comercial trouxe muitos benefícios para a humanidade. A troca de produtos, serviços e informações sempre se constituiu num importante motor de desenvolvimento.

Entretanto, na contemporaneidade, a lógica da compra/venda passou a monitorar os demais atos da nossa vida, aniquilando o conceito de valor e substituindo-o pela idéia de preço. Assim, pouco importa o valor, basta saber qual é o preço.
O mais assustador é que essa mentalidade vem sendo aplicada também ao ser humano, destituindo-o da condição de sujeito e transformando-o num objeto passível de troca, cujo “preço” é aferido pela possibilidade “de uso”. Nesta toada, pouca importância se dá às condições de segurança e saúde no meio ambiente de trabalho, pois, quando um trabalhador fica incapacitado, é mais fácil descartá-lo e substituí-lo por um “novo”. 
Se durante todo o século XX lutamos bravamente para impedir que o trabalho fosse reduzido a situação de mercadoria, no início deste novo século nosso desafio é maior ainda: impedir que a própria pessoa do trabalhador seja reduzida à condição de mercadoria, num momento em que a descoberta de novas tecnologias e a exigência de intensificação dos ritmos das tarefas tem precarizado o meio ambiente de trabalho, aumentando os acidentes e provocando o surgimento de novas doenças.
Nesse contexto, se revela cada vez mais insuficiente a singela resposta até hoje oferecida, consistente no pagamento de um adicional pela prestação laboral em condições de insalubridade e periculosidade, seguida de um rápido “descarte” do ser humano quando perde seu “uso”. Tal situação nos desafia a encontrar novas respostas, a fim de evitar a fratura que poderá provocar o desmoronamento do edifício normativo em relação ao meio ambiente do trabalho. 
Repristinação da “questão social”?
A chamada “questão social” começou a aflorar com maior intensidade em meados do século XIX, em decorrência das penosas e adversas condições de trabalho, que provocavam lesões cuja reparação não encontrava resposta no direito comum.

A necessidade de construir um novo Direito que olhasse além das teóricas categorias jurídicas codificadas, prestasse mais atenção à realidade da vida e dos fatos cotidianos, teve que percorrer um longo caminho até conseguir a edificação de uma nova base axiológica, que lhe desse suporte para a autonomia, tarefa para a qual, na América do Sul, tanto Cesarino Junior[2] quanto Américo Plá Rodriguez[3] contribuíram de forma significativa para a consolidação do Direito do Trabalho como ramo autônomo, regido por conceitos próprios, assim passando a regular o mundo peculiar das relações trabalhistas.
Entretanto, as décadas finais do século XX registraram mudanças significativas, inclusive na maneira de trabalhar e na organização dos núcleos produtivos. A grande fábrica fordista deu lugar a conglomerados autônomos, marcados por atuação interrelacionada e pela intensificação do ritmo de trabalho.
A utilização do telefone celular e do computador transformou as ferramentas de trabalho, aumentando as horas à disposição do empregador e invadindo os tempos da vida privada, criando, de maneira camuflada e sub-reptícia, novas formas de servidão.
O estímulo à atividade econômica, mediante a generosa concessão de financiamentos por longo prazo, veio formatar aquilo que o sociólogo Zygmunt Bauman[4] define como vida à crédito. Explica que antes, na sociedade dos produtores, o “adiamento da satisfação costumava assegurar a durabilidade do esforço do trabalho”, por isso era preciso sacrificar o presente para poder gozar no futuro. Hoje, na sociedade dos consumidores, é preciso garantir a “durabilidade do desejo”, gozar acelerada e exaustivamente o presente, vivendo “de crédito”, cuja amortização se dará posteriormente, obrigando o ser humano a trabalhar intensamente para poder pagar o extenso rol dos débitos que assumiu, na pretensa satisfação de desejos que nunca terminam, gerando novas situações de servidão, que vão formar o caldo de cultura para o ressurgimento da questão social.
Embora se apresente com nova roupagem, na verdade o que ocorre é uma repristinação da questão social do século passado, que volta com força ante a dimensão da lesão que se avizinha, exigindo novas formas de proteção jurídica para evitar que o estado de constante servidão transforme o ser humano num objeto descartável.
Ao lado de um movimento de ascensão do individualismo, marcado pelo mote nietzschiano[5] “devo completar-me de mim mesmo”, e de rejeição do solidarismo, que tem reduzido a participação dos trabalhadores na vida sindical, observa-se uma preocupante intensificação das macro lesões, notadamente no meio ambiente de trabalho, trazendo para o foco da discussão a questão dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, colocando em cheque o modelo de acesso à Justiça pela categorização de interesses e direitos.
Por isso, Cássio Scarpinella Bueno[6] chama atenção para a necessidade de aprimorar, ampliar e otimizar a eficiência do acesso coletivo à Justiça, superando a baliza da categorização. Ressalta “que os direitos e interesses difusos, tanto quanto os coletivos e os individuais homogêneos, não são classes ou tipos de direitos preconcebidos ou estanques, não interpenetráveis ou relacionáveis entre si. São — é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente, a classificação feita pela lei brasileira — formas preconcebidas, verdadeiros modelos apriorísticos, que justificam, na visão abstrata do legislador, a necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados, contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente, como complementares.”
O meio ambiente de trabalho, pela dimensão e importância que apresenta, congrega direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, cuja análise deve ser feita sob a perspectiva constitucional.
Com efeito, a constitucionalização dos direitos trabalhistas é a resposta que vem sendo apresentada pelo sistema normativo à nova questão social surgida na contemporaneidade, apontando para a edificação de um novo padrão axiológico, que a doutrina vem sedimentando na aplicação dos direitos fundamentais também às relações entre particulares, superando o antigo modelo que os restringia às relações do cidadão com o Estado.
Conforme já ressaltamos em outro artigo[7], uma “das características mais expressivas da pós-modernidade, que marca a época contemporânea, é a intensificação das relações de poder entre os particulares”. Num momento de fragilidade das instituições, o sistemático descumprimento da lei causado pelo descrédito em sua atuação coercitiva tem acirrado as disputas de poder nas relações privadas, entre as quais as trabalhistas. Quando se trata de meio ambiente de trabalho, essa relação entre particulares se reveste de especial importância, porque gera efeitos ainda mais amplos, em decorrência das consequências que pode provocar em seu entorno social.
As conseqüências
O direito de trabalhar num ambiente saudável e seguro, disposto no inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal ao garantir a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” alberga direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Além disso, se reveste de inequívoca “socialidade”, por ser evidente o predomínio do interesse social sobre o meramente individual, assim ensejando a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato, função social da empresa e função social da propriedade, pois os efeitos provocados não atingem apenas as pessoas dos contratantes, de modo que se revela insuficiente a alternativa de apenas pagar um adicional (de insalubridade ou periculosidade) ao invés de melhorar, de forma efetiva, as condições do meio ambiente do trabalho.
O trabalhador acidentado, “descartado do processo produtivo”, vai engrossar a legião dos excluídos, passando a ser sustentado pela previdência, num momento em que o modelo conhecido como “Estado do bem estar social” se desintegra a olhos vistos.
Neste contexto, qual a função do Direito?
A função promocional do Direito
Como bem ressaltou Norberto Bobbio[8] não “se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a natureza deles e seus fundamentos, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.

Assim sendo, em relação ao meio ambiente de trabalho, o direito contemporâneo não pode esgotar sua capacidade de atuação apenas na apresentação de resposta às situações de ameaça concreta, ou na função reparatória da lesão já ocorrida. A intensificação da função promocional do Direito e o estímulo à atuação preventiva mais abrangente se tornam cada vez mais importantes.
Em relação ao trabalhador, assegurar meio ambiente de trabalho seguro e saudável evita lesões incapacitantes ainda na idade produtiva, diminuindo os custos da previdência social com afastamentos por doenças e aposentadorias precoces.
Também evita inegável dano à sociedade, pois um trabalhador acidentado ou doente, que é “encostado”, leva para a exclusão social toda sua família. A queda da renda prejudica os filhos, que tem sua formação profissional comprometida, porque precisam entrar mais cedo no mercado de trabalho, a fim de contribuir para o próprio sustento.
A intensificação do ritmo das obras de construção civil, premidas pelos curtos prazos de entrega e conclusão em virtude da Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em 2014, vem delinear um quadro preocupante, pois leva à inequívoca precarização das regras de segurança, o que pode aumentar, e muito, o número de acidentes e doenças profissionais.
Portanto, é chegado o momento de ponderar que, para garantir meio ambiente saudável e equilibrado no local de trabalho não basta efetuar pagamentos por danos já ocorridos, cujos efeitos via de regra são irreversíveis e a restitutio in integrum impossível. É preciso agir antes. Nesta perspectiva, as idéias de precaução e prevenção entram no ordenamento como princípios reitores da edificação de um novo modelo de normatividade, pois tem o escopo de evitar que o dano ocorra. 
Apesar de já ter adotado uma Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), o Brasil ainda não ratificou a Convenção 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a adoção de medidas mais efetivas para preservação da segurança e saúde, por constatar que a maioria dos danos ambientais de grande proporção está relacionada ao desempenho de uma atividade econômica e exercício de um trabalho.
No entanto a Convenção 155 da OIT, que trata da segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, foi aprovada pelo Brasil (Decreto Legislativo 2/1992). O disposto em seu artigo 3º, alínea “e”, estabelece que a saúde não pode ser definida apenas como “ausência de doenças”, abrangendo também os “elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho”. Em seu artigo 4º, item 2, determina que a política estatal deve ser direcionada para “prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.”
A Convenção 161 da OIT , também aprovada pelo Brasil ( Decreto legislativo 86/1989), caminha neste mesmo sentido, ao priorizar em seu artigo 1º, I e II as funções essencialmente preventivas dos serviços de saúde no trabalho, que devem orientar o empregador, os trabalhadores e seus representantes na empresa sobre os “requisitos necessários para estabelecer e manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde física e mental ótima em relação com o trabalho; e a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental”.
Assim, o antigo critério de limitar a atuação da norma à exigibilidade do pagamento de um adicional pela precarização das condições de saúde e segurança, provocada pela prestação laboral em condições adversas de insalubridade e periculosidade, a execrada monetização do risco, não pode mais subsistir.
Desde o julgamento do RE 466.343-SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem adotando as razões de decidir exaradas no voto do Ministro Gilmar Mendes, apontando para uma nova hermenêutica no sentido de que, em conformidade com o disposto no parágrafo 2º, do artigo 5º, da CF/88, os preceitos internacionais ratificados pelo Brasil antes da Emenda Constitucional 45 entram no ordenamento jurídico nacional como norma supralegal.
Portanto, a alusão à “lesão ou ameaça de direito”, constante do inciso XXXV do artigo 5º da CF/88, no que se refere ao meio ambiente de trabalho, deve ser interpretada sob a ótica de uma nova mentalidade. Ao invés da atuação restritiva, como resposta a ameaça concreta ou lesão já consumada, deve prioritariamente evitar a ocorrência da lesão, diretriz calcada nos princípios da precaução e da prevenção, que passam a ser aplicados e ter efeitos irradiantes também no direito trabalhista.
Neste sentido a reflexão de Norma Sueli Padilha [9], ao ressaltar que “quando a Constituição Federal, em seu art. 225 fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver neste ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho.”
A leitura da matriz constitucional deve atentar para os novos tempos vividos neste início de século, em que a “economia capitalista produz uma enorme instabilidade, que ela é incapaz de dominar e controlar... e muito menos de evitar — assim como é incapaz de corrigir os danos perpetrados por essas catástrofes”, como alerta Zygmunt Bauman[10], o que gera efeitos relevantes quando se trata de saúde e segurança no trabalho. 
O princípio da precaução e o princípio da prevenção
Tanto o princípio da precaução, como o da prevenção, atuaram decisivamente na formação do direito ambiental. Com o tempo, a doutrina, que os reputava sinônimos, evoluiu no sentido de constatar e demonstrar que se tratava de conceitos distintos.

Explica Germana Parente Neiva Belchior [11]que o princípio da prevenção exsurge expressamente do constante dos incisos II,III,IV e V do parágrafo 1º do artigo 225 da CF/88. Consiste na adoção antecipada de medidas definidas que possam evitar a ocorrência de um dano provável, numa determinada situação, reduzindo ou eliminando suas causas, quando se tem conhecimento de um risco concreto.
Já o princípio da precaução consiste na adoção antecipada de medidas amplas, que possam evitar a ocorrência de possível ameaça à saúde e segurança. Aponta para a necessidade de comportamento cuidadoso, marcado pelo bom senso, de abrangência ampla, direcionado para a redução ou eliminação das situações adversas à saúde e segurança.
Assim, enquanto o princípio da prevenção tem o escopo de evitar determinados riscos, o princípio da precaução aponta para a adoção de condutas acautelatórias gerais, considerando o risco abstrato e potencial como esclarece Paulo Affonso Leme Machado[12]
Cristiane Derani[13] ressalta que a aplicação do princípio da precaução objetiva “garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo” e, por isso, antecede a sua manifestação. É um comportamento de cautela, que visa precaver-se para evitar um possível risco, ainda que indefinido, procurando reduzir o “potencial danoso oriundo do conjunto de atividade”. Precaução é atitude de cuidado, in dubio pro securitate, que assim surgiu como linha mestra do Direito Ambiental, cuja aplicação passa a ter importância cada vez maior, inclusive em se tratando de meio ambiente do trabalho, notadamente após a promulgação do Código Civil de 2002, que no parágrafo único do artigo 927 agasalhou a teoria do risco na fixação da responsabilidade objetiva.
Marcelo Abelha Rodrigues[14] esclarece que, enquanto “a prevenção relaciona-se com a adoção de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis, a precaução também age prevenindo, mas antes disso, evita-se o próprio risco ainda imprevisto”.
Neste contexto se torna imprescindível proceder à leitura constitucional dos preceitos, como enfatiza José Afonso da Silva[15], de modo que tais princípios encontram fértil campo de aplicação também no meio ambiente de trabalho. O empregador que deixa de garanti-lo em condições equilibradas de saúde e segurança viola também o princípio da boa fé objetiva e desatende à função social do contrato de trabalho, cujos efeitos vão muito além da pessoa dos contratantes, atingindo o entorno social em que estão envolvidos.
Em escala mundial, o desafio de se criar uma “economia verde”, eleito pela ONU como tema central da Rio + 20, está imbricado com o meio ambiente de trabalho, por implicar na adoção de um novo tipo de sistema produtivo, marcado pela eficiência no uso dos recursos naturais e garantia de inclusão social pelo solidarismo, a fim de construir um modelo de desenvolvimento sustentável para todos.
O tema é abordado pelo Programa das Nações Unidas para o meio ambiente (Pnuma) desde 2008, quando foi lançada a iniciativa para uma economia verde. A questão notoriamente espraia seus efeitos para as relações trabalhistas.
Isto porque a preservação do meio ambiente, incluído o do trabalho, exerce forte influência na quantificação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), cuja aferição considera, além da média de desenvolvimento, as diferenças nos indicadores de renda, educação e saúde entre a população. O relatório divulgado em novembro de 2011 pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra o Brasil em 84º entre 187 nações[16], marca que não se revela aceitável. 
Da responsabilidade. Teoria da menor desconsideração
No que se refere à responsabilidade é necessário tecer algumas reflexões.

O artigo 50 do Código Civil de 2002 adotou a “teoria da maior desconsideração”, que admite a desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso, quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial, imputando à pessoa física dos sócios a responsabilidade pelos débitos inadimplidos da pessoa jurídica.
Entretanto o direito ambiental vem trilhando outra vertente, para tanto considerando a teoria da menor desconsideração explicitada no artigo 4º da Lei 9.605/1998, estabelecendo que poderá “ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”, conceito que também encontra guarida nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho.
Importante registrar que critério inverso vem sendo adotado em situações contrárias. Há decisões recentes aplicando a teoria inversa de desconsideração da personalidade física, também com fundamento no artigo 50 do Código Civil, atribuindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela quitação dos débitos contraídos pela pessoa física, a fim de impedir o desvirtuamento de bens em prejuízo do credor, quando ocorrer abuso por desvio de finalidade e confusão patrimonial, raciocínio que também encontra guarida quando se trata de meio ambiente do trabalho. 
Nestes casos haverá desvio de finalidade quando a personalidade jurídica for utilizada com fins diversos daqueles para os quais foi constituída. A confusão patrimonial ocorrerá quando houver dificuldade para saber de quem é determinado patrimônio, se do sócio ou da empresa, quando aquele se utiliza reiteradamente do patrimônio desta, sem haver qualquer tipo de controle.
Do ônus da prova
A inversão do ônus da prova pode decorrer de lei (ope legis), ou de determinação judicial (ope judicis). A distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes, pautando seu comportamento processual conforme o ônus atribuído a cada uma delas (aspecto subjetivo).

A diretriz, até então adotada de forma majoritária, no sentido de que a inversão ope judicis ocorreria por ocasião do julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo Tribunal (acórdão), vem sendo cada vez mais questionada, pois o modo como distribuído o ônus da prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subjetivo), que assim atuam na fase de instrução
Previsão neste sentido consta do art. 358, parágrafo 1º, do projeto do novo de Código de Processo Civil — PL 166/2010.
Em julgamento proferido no Resp 802832/MG — Recurso Especial 2005/0203865-3 - STJ 2ª Seção - 13/04/2011 — publicado no DJE de 21 de setembro de 2011, o Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou ser preciso estabelecer uma diferenciação entre duas modalidades de inversão do ônus da prova:
Quando ope legis, a própria lei, atenta às peculiaridades de determinada relação jurídica, excepciona a regra geral de distribuição do ônus da prova estabelecido nos artigos 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e 333 do CPC. Nessas hipóteses, não se coloca a questão de estabelecer qual o momento adequado para a inversão do ônus da prova, pois a inversão foi feita pelo próprio legislador e, naturalmente, as partes, antes mesmo da formação da relação jurídico-processual, já devem conhecer o ônus probatório que lhe foi atribuído por lei.
Quando ope judicis, ou seja, a inversão decorre da determinação do magistrado, a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho respalda a inversão do ônus e sua imputação ao empregador, não só porque é ele quem tem maior aptidão para produzir a prova, mas também porque cabe a ele a adoção e a efetiva implementação das condutas de prevenção e precaução. 
Nestes casos, qual o momento processual mais adequado para que o juiz, verificando a presença dos pressupostos legais, determine e inversão da distribuição do ônus probatório?
Não se desconhece que as normas relativas ao ônus da prova constituem, também, regra de julgamento, a fim de evitar o non liquet, pois as consequências da falta de comprovação de fato ou circunstância relevante para o julgamento da causa devem, quando da decisão, ser atribuídas à parte a quem incumbia o ônus da sua prova. Trata-se do aspecto objetivo do ônus da prova, que é dirigido ao juiz.
No entanto o aspecto subjetivo da distribuição do ônus da prova mostra-se igualmente relevante norteando, como uma verdadeira bússola, o comportamento processual das partes. Com efeito, participará da instrução probatória com maior empenho a parte sobre a qual recai o encargo probatório de determinado fato controvertido no processo. Portanto, como a distribuição do encargo probatório influi decisivamente na conduta processual das partes, elas devem ter exata ciência do ônus atribuído a cada uma delas para que possam, com vigor e intensidade, produzir oportunamente as provas que entenderem necessárias. 
Portanto, como o empregador é o responsável por adotar condutas de precaução e prevenção para garantir meio ambiente de trabalho seguro, detém melhor aptidão para a produção da prova, de modo que quando a inversão se opera ope judicis, assim deve ser explicitado pelo juiz na fase de instrução, a fim de conferir maior certeza às partes acerca dos seus encargos processuais, preservando o devido processo legal e evitando a insegurança jurídica.
A edificação de um novo padrão normativo trabalhista
Além do artigo 5º já ter incluído no sistema as Convenções internacionais que tratam do meio ambiente do trabalho e os artigos 6º e 7º, inciso XXII, considerarem a saúde e a redução dos riscos inerentes ao trabalho como direito fundamental, a Constituição Federal do Brasil estabeleceu no inciso VIII, do artigo 200, que ao sistema único de saúde compete colaborar na proteção do meio ambiente “nele compreendido o do trabalho”, enquanto o artigo 225 atribui a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, assim incluindo o meio ambiente do trabalho. 

As novas formas de trabalhar e os diferentes modos de organização produtiva provocaram o surgimento de uma nova questão social. Em conhecido filme, que foi sucesso de público[17] por retratar a complexidade dos novos desafios contemporâneos, ao se deparar com uma situação em que o personagem interpretado por Edward Norton é tratado como objeto descartável, igual “aos sachês de adoçante servidos com o café”, além de suportar constante pressão no trabalho para entregar inúmeros relatórios com rapidez, apresentando dificuldades para dormir, o ator Brad Pitt manifesta veemente inconformismo com estilo de vida que obriga a trabalhar em situações adversas, com o objetivo de ter dinheiro e poder trocar incessante e desnecessariamente carros, móveis e utensílios da casa, além de comprar objetos que não precisa, para garantir um espaço de inclusão e evitar ser descartado da vida em sociedade.
No século XXI a questão social surge imbricada com a conscientização de ser preciso evitar, que a disseminação da perversa “lógica do descarte” seja aplicada ao próprio ser humano no ambiente de trabalho, de sorte que a precaução e a prevenção, princípios que inicialmente atuaram na formação do Direito Ambiental, passam a permear também a edificação de um novo padrão normativo trabalhista, pois é impossível dissociar o envolvimento e comprometimento da pessoa do trabalhador com a prestação do trabalho, submetido a certas condições, num determinado local. 
A intensificação da violência na sociedade e seus reflexos no ambiente de trabalho, onde pessoas têm que conviver por longos períodos num local em que via de regra há elevado nível de stress, vem desencadeando novas doenças e lesões, que comprometem a integridade física e mental, levam ao absenteísmo elevado e decréscimo de produtividade, causando prejuízo a todos os envolvidos. Neste contexto, pautar normas de conduta pelos princípios da precaução e prevenção fortalece a efetividade e confere ao Direito do Trabalho musculatura mais vigorosa para lidar com os novos desafios, fazendo valer o princípio da “não reversibilidade dos direitos fundamentais”. Como destaca Cristina Queiroz[18], os direitos fundamentais “devem ser compreendidos e inteligidos como elementos definidores e legitimadores de toda a ordem jurídica positiva. Proclamam uma ‘cultura jurídica e política’ determinada, numa palavra, um concreto e objetivo ‘sistema de valores’”.
Esta interpretação encontra amparo em nossa Carta Política, que fixa diretriz assentada em um tripé formado pela interrelação entre o crescimento econômico, a proteção ambiental dos recursos naturais do planeta e a garantia de ambiente seguro, saudável e equilibrado no local da prestação laboral, a fim de preservar a saúde física e mental do trabalhador, padrão axiológico que imputa ao direito de propriedade e ao contrato de trabalho uma função social, além de exigir a observância da boa fé objetiva.
Importante registrar que na seara trabalhista já há um arcabouço infraconstitucional para sustentação deste modelo. Com efeito, o inciso I, do artigo 157 da CLT, imputa às empresas a obrigação de “cumprir e fazer cumprir” as regras de segurança, enquanto o item II, do mesmo artigo, a de “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”, e o artigo 158 atribui aos empregados o encargo de “observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções” acima referidas.
A instituição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Cipa) (NR 5), do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) (NR 4), do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) (NR 9) e do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) (NR 7) foram iniciativas pioneiras que demonstraram a importância da conduta de prevenção e precaução para evitar lesão à saúde do trabalhador, abrindo uma nova senda quanto a edificação do padrão normativo destinado a disciplinar o meio ambiente de trabalho.
O Decreto 7.602, de 7 de novembro de 2011, que dispõe sobre Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), prioriza as ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência, reabilitação e reparação, apontando para a necessidade de eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho.
O decreto estabelece a inserção de tais disposições num Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, estruturado sobre as seguintes diretrizes:
a)inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde;
b)harmonização da legislação e a articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do trabalhador;
c)adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto risco;
d)estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador;
e)promoção da implantação de sistemas e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho;
f)reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores; e
g)promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho.
Ademais, além da imputação de responsabilidade subjetiva ao empregador “quando incorrer em dolo ou culpa” como prevê o inciso XXVIII do artigo 7º da CF/88, o artigo 927 do Código Civil trouxe à baila a questão da responsabilidade objetiva “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
A configuração do que é atividade de risco tem gerado muita controvérsia, não só doutrinária, mas também jurisprudencial. A Convenção 155 da OIT em seu artigo 11, inciso b, imputa às autoridades competentes o dever de controlar “as operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização”, assim como “a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho”, devendo “ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exploração simultâneas de diversas substâncias ou agentes”, o que demonstra a importância de adotar no ambiente de trabalho condutas e procedimentos em conformidade com os princípios da precaução e prevenção.
O artigo 21 da Lei 8.213/91 prevê a caracterização da natureza acidentária da incapacidade apresentada quando constatado nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e a lesão, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID). Para afastá-lo, conforme preceituado nos parágrafos 1º e 2º, cabe ao empregador o ônus de demonstrar a inexistência do nexo, o que inclui a comprovação de que tomou todas as providencias necessárias para a precaução e a prevenção da ocorrência da lesão.
Em relação aos trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde, desde 2004 o empregador é obrigado a entregar na rescisão contratual o documento denominado perfil profissiográfico previdenciário (em lugar do anterior DIRBEN- 8030), que deve conter as informações referentes a atividade exercida e ao meio ambiente de trabalho, conforme prevê o artigo 58 da Lei 8213/91 e a Instrução Normativa INSS/DC 96/2003. O parágrafo 2º do artigo anteriormente referido consigna que deste documento deve constar se é adotada no local de trabalho “tecnologia de proteção coletiva ou individual, que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre sua adoção pelo estabelecimento respectivo”, o que denota a importância dos princípios da precaução e da prevenção.
Conforme dados apresentados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST)[19], há mais de 700 mil acidentes de trabalho por ano no Brasil e a média de sete mortes por dia, sendo que a Previdência Social gasta R$ 10,4 bilhões por ano com acidentes de trabalho.
Investir na melhoria das condições de trabalho, para que o ambiente seja saudável e seguro, cria um circulo virtuoso em beneficio de todos os envolvidos. Traz vantagens para o empregador, que não perde o tempo e dinheiro investidos no treinamento e pode contar com um empregado sadio e bem treinado. Reduz o número de acidentes e doenças profissionais, diminuindo os gastos previdenciários com auxílio-doença e aposentadorias precoces, evita o comprometimento da empregabilidade futura do trabalhador, a desagregação familiar e os casos recorrentes de alcoolismo e violência doméstica.
Além disso, há outra consequência importante: o artigo 120 da Lei 8213/91 prevê o ajuizamento, pela previdência, de ação regressiva contra os responsáveis, quando constatada “negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva”. Em observância a tal diretriz, a Recomendação 21/2011 expedida pela Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT), estabelece que Desembargadores e Juízes do Trabalho encaminhem à Procuradoria da Fazenda Nacional cópias de sentenças/acórdãos que reconheçam a conduta culposa do empregador em acidente de trabalho, assim possibilitando o ajuizamento dessas ações regressivas.
Por causa do alto número de acidentes no Brasil, responder a tais ações regressivas implicará no gasto de valores expressivos pelo empregador, que deverá incluir o pagamento de despesas médicas, previdenciárias e indenização aos dependentes das pessoas vitimadas ou mortas.
A importância da perspectiva preventiva
No início do século passado o médico Oswaldo Cruz atuou intensamente para vencer resistências e propagar a idéia de que era melhor prevenir doenças, do que tentar curar as que podiam ser evitadas. A conhecida Guerra da Vacina lhe trouxe muitos dissabores, mas deixou seu nome ligado a importante mudança de paradigma, que conferiu um salto de qualidade na vida do brasileiro.

Este desafio está sendo apresentado ao Direito um século depois.
As obras afetas à Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas de 2016, exploração do petróleo em águas profundas com o trabalho a ser desenvolvido em plataformas e unidades de perfuração, num modelo que atribui à Petrobrás a situação de operadora de todas as reservas do pré-sal, suscita questionamentos importantes quanto a segurança e condições de saúde no meio ambiente de trabalho, por ser inevitável o enfrentamento de problemas provocados por novas tecnologias, que certamente advirão.
Neste contexto, ante a evidente insuficiência da regulação jurídica meramente reparatória da lesão já ocorrida, chega com força a idéia de ser necessário atuar com precaução e bom senso na prevenção dos conflitos, mediante a formatação de um novo padrão de normatividade em relação às questões que tratam do meio ambiente de trabalho. 
Esta nova perspectiva demonstra que, enquanto a reparação do dano já ocorrido é prejuízo, como um número expressivo de acidente de trabalho é evitável, o que se gasta na prevenção é investimento e não custo, pois traz mais segurança para o exercício da atividade econômica e melhor qualidade de vida ao trabalhador. Ademais, garantir condições de trabalho decente confere seriedade ao marco institucional do país e consequente upgrade no cenário internacional, além de propiciar inestimáveis benefícios à sociedade brasileira como um todo, ao reduzir a conflitualidade e aumentar os níveis de bem estar dos atores sociais. 
Como ressalta o constitucionalista peruano Omar Cairo Roldán[20] “a conduta dos órgãos públicos e dos cidadãos deve ser coerente com os fins colimados pelo estado Democrático. Dentro deste esquema, a economia deve orientar-se pelo desenvolvimento, garantindo sempre a dignidade e a liberdade das pessoas, para que o desenvolvimento econômico ocorra em conjunto com o bem-estar geral”.
A atuação proativa do Poder Judiciário. A experiência de Cuiabá
Esta mudança de eixo torna insustentável a antiga configuração de um Judiciário inerte, que só age quando provocado, exigindo que assuma postura proativa, como um dos agentes de transformação do marco normativo.

Nesta senda, o TST organizou nos dias 20 e 21 de outubro de 2011 um Seminário sobre Prevenção de Acidentes de Trabalho, atento aos sinais que demonstram a possibilidade de intensificação da ocorrência dos acidentes nesta fase de aceleração das obras de construção civil para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. A taxa atual de trabalhadores acidentados na construção civil é de 17,8% por 100 mil habitantes, enquanto a taxa geral é de 6,1% por 100 mil habitantes[21], o que vem demonstrar a importância da implementação dos princípios da prevenção e precaução em relação ao meio ambiente de trabalho neste setor de atividade. 
Consciente disso, Osmair Couto, então presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso, organizou uma audiência pública em novembro de 2011, em que proferi palestra de abertura na condição de desembargadora, ressaltando a necessidade de adotar e divulgar boas práticas, prevenir litígios, reduzir os acidentes de trabalho e estimular o trabalho decente, destacando a importância da atuação proativa do Direito na obtenção da pacificação com justiça e diminuição dos níveis de conflito, através do estimulo à prevenção e à precaução.
O evento contou com a participação de representantes da Secretaria Regional de Trabalho e Emprego (SRTE) do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, sindicatos, Prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande, Assembléia Legislativa de Mato Grosso, OAB-MT, Associação dos Advogados Trabalhistas (Aatramat) e Associação dos Magistrados do Trabalho de Mato Grosso (Amatra 23).
Durante as discussões, os participantes ressaltaram a necessidade de se adotar medidas para evitar que, ao fim das obras realizadas para a Copa de 2014, não fique para trás um contingente de trabalhadores acidentados ou mesmo sem receber direitos trabalhistas básicos. 
Representantes das entidades envolvidas na realização e fiscalização das obras da Copa do Mundo de 2014 na região assinaram a Carta de Compromisso de Cuiabá.
Entre os onze compromissos firmados, os subscritores destacaram a importância da observância dos deveres pertinentes à higidez do meio ambiente do trabalho, a responsabilização solidária do empregador e do tomador dos serviços pela observância das normas atinentes ao meio ambiente do trabalho. Ressaltaram que eventual alegação de necessidade de cumprimento de prazos na realização de grandes obras, inclusive em relação à Copa do Mundo de 2014, não poderá ser aceita como justificativa para o descumprimento das normas de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Destacaram que apesar das controvérsias jurídicas a respeito da responsabilidade trabalhista do dono da obra, todos os que atuam na execução de empreendimentos na construção civil (donos da obra, empreiteiras e empresas especializadas subcontratadas) devem envidar esforços para o cumprimento de todos os deveres referentes à segurança dos trabalhadores, considerando que todos são responsáveis pelo meio ambiente de trabalho saudável.
Por fim, comprometeram-se em manter aberto um canal permanente de interlocução com os diferentes atores sociais, visando estimular a adoção concreta de boas práticas para prevenir litígios, reduzir acidentes de trabalho e construir uma cultura de precaução e prevenção, a fim de garantir a prestação de trabalho decente.
Conclusão
O conceituado sociólogo Zygmunt Bauman esclarece que vivemos numa sociedade líquida, assim classificada pela sua intensa mutabilidade, já que “líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo e, por isso, no atual estágio os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem”.

Nesta sociedade invertebrada, a questão social ressurge com a mesma força de séculos atrás, porém com maior poder de destruição, por tentar incutir nas relações de trabalho a lógica do descarte, corroendo de forma insidiosa os pilares de sustentação do direito trabalhista. 
Neste cenário cresce de importância a atuação dos sindicatos, que conhecem mais de perto os locais de trabalho e os riscos existentes. Também se revela significativa a atuação do Ministério Público do Trabalho, seja na celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que detém força executiva conforme dispõe o artigo 876 da CLT, seja no ajuizamento de Ação Civil Pública nos termos do artigo 83 III da LC 75/93.
O padrão normativo da Era Moderna foi edificado com base no pensamento do filósofo Parmênides, mas os novos tempos da posmodernidade contemporânea são de Heráclito, que apostou na constante mutação.
Neste contexto, a função promocional do Direito indica a necessidade de intensificar a atuação preventiva, formando uma nova mentalidade com o escopo de evitar a ocorrência da lesão, por considerar que assegurar meio ambiente equilibrado no local de trabalho constitui direito fundamental, albergado pela Constituição de 1988.
Por isso é preciso que o binômio dever ser/sanção, que previa a adoção de medidas meramente reparatórias, adote uma nova perspectiva, incorporando os princípios da precaução e prevenção, que vão atuar como marcos de resistência, preservando o núcleo inalienável que garante ao trabalhador a condição de sujeito, impedindo a precarização provocada pela lógica que o reduz a objeto de descarte, assim atuando como norte de um novo padrão normativo, a fim de preservar a funcionalidade do sistema jurídico e manter a eficácia do Direito na contemporaneidade.

Referencias Bibliográficas
1-Bauman, Zygmunt- Modernidade Líquida- Tradução Plínio Dentzien-Jorge Zahar Editor- Rio de Janeiro 2001
2-Bauman, Zygmunt- Vida à crédito- conversas com Citlali Rovirosa Madrazo- Tradução de Alexandre Werneck- Rio de Janeiro – Editora Zahar- 2010
3-Bobbio, Norberto- A era dos direitos- Tradução Carlos Nelson Coutinho - Editora Campus- Rio de Janeiro – 1992
4-Bueno, Cássio Scarpinella- Tutela Coletiva em Juízo: uma reflexão sobre a alteração proposta para o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC in Revista do Advogado n.114-dezembro de 2011
5-Cesarino Junior –Direito Social Brasileiro 1ª edição 1940
6-Gemignani, Daniel e Gemignani, Tereza A. A. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nº. 35, julho/dezembro. Campinas. 2009 
7- Padilha, Norma Sueli- Do meio ambiente do trabalho equilibrado- Editora LTR- São Paulo 2002
8- Plá Rodriguez, Américo- Princípios de Direito do Trabalho- Editora LTr- SP-3ª edição- 2004
9- Queiroz, Cristina- O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais- princípios dogmáticos e prática jurisprudencial- Coimbra Editora limitada- 2006.
10-Roldán, Omar Cairo- Escritos Constitucionales- Communitas- Cuadernos Jurídicos- vol 1- Editorial Cordillera S.A.C- Lima- Peru
11-Neiva Belchior, Germana Parente- Hermenêutica Jurídica Ambiental- Editora Saraiva 2011- São Paulo
12-Leme Machado, Paulo Affonso- Direito Ambiental Brasileiro- Malheiros Editores 2006
13-Derani, Cristiane- Direito Ambiental Econômico- Editora Saraiva – 3ª edição- 2008
14-Rodrigues,Marcelo Abelha- Elementos de Direito Ambiental- parte geral- Editora Revista dos Tribunais, 2005
15- Afonso da Silva, José- Direito Ambiental Constitucional- 6ª edição- São Paulo- Malheiros 2007
16- Nietzsche, Friedrich Wilhelm- Assim falava Zaratustra- tradução Ciro Mioranza- Editora Escala- São Paulo

[1] www.onu.org.br
[2]Cesarino Junior, Antonio Ferreira –Direito Social Brasileiro 1ª edição 1940
[3]Plá Rodriguez, Américo- Princípios de Direito do Trabalho- Editora LTr -SP- 3ª edição- 2004 
[4]Bauman, Zygmunt- Modernidade líquida- tradução Plínio Dentzien- Jorge Zahar Editor- Rio de Janeiro- 2001-págs 183 e seguintes
[5] Nietzsche, Friedrich Wilhelm- Assim falava Zaratustra- tradução Ciro Mioranza- Editora Escala- São Paulo- pag.147
[6] Bueno, Cássio Scarpinella- Tutela Coletiva em Juízo: uma reflexão sobre a alteração proposta para o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC in Revista do Advogado n.114- dezembro de 2011- págs 18 a 30 
[7] GEMIGNANI, Daniel e GEMIGNANI, Tereza A. A. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nº. 35, julho/dezembro. Campinas. 2009- pag 70
[8] Bobbio, Norberto- A era dos direitos- Tradução Carlos Nelson Coutinho - Editora Campus- Rio de Janeiro – 1992- pag 25
[9] Padilha, Norma Sueli- Do meio ambiente do trabalho equilibrado- Editora LTR- São Paulo 2002- pag 32
[10] Bauman, Zygmunt- Vida à crédito- conversas com Citlali Rovirosa Madrazo- Tradução de Alexandre Werneck- Rio de Janeiro – Editora Zahar- 2010.
[11] Neiva Belchior, Germana Parente- Hermenêutica Jurídica Ambiental- Editora Saraiva 2011- São Paulo- págs 208 e seguintes
[12] Leme Machado, Paulo Affonso- Direito Ambiental Brasileiro- Malheiros Editores 2006- pag 65 e seguintes
[13] Derani, Cristiane- Direito Ambiental Econômico- Editora Saraiva- 3ª edição- 2008- pags. 149 a 152
[14] Rodrigues,Marcelo Abelha- Elementos de Direito Ambiental- parte geral- Editora Revista dos Tribunais, 2005- pag. 207
[15] Afonso da Silva, José- Direito Ambiental Constitucional- 6ª edição- São Paulo- Malheiros 2007- pag 22
[16] www.pnud.org.br
[17] Clube da Luta- Fight Club- 1999- dirigido por David Fincher
[18] Queiroz, Cristina- O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais- princípios dogmáticos e prática jurisprudencial- Coimbra Editora limitada- 2006.- pag 119
[19] www.tst.jus.br
[20] Roldán, Omar Cairo- Escritos Constitucionales- Communitas- Cuadernos Jurídicos- vol 1-Editorial Cordillera S.A.C- Lima- Peru- pag. 142
[21] www.tst.jus.br
Tereza Aparecida Asta Gemignani é desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), doutora em Direito do Trabalho pela USP.
Daniel Gemignani é auditor fiscal do Ministério do Trabalho.

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2012

DESCANSO OBRIGATÓRIO

Descanso obrigatório

Intervalo deve ser usufruído durante a jornada

A Phillip Morris Brasil Indústria e Comércio Ltda. deve pagar a um operador de máquinas 45 minutos diários como horas extras, por irregularidades na concessão do intervalo intrajornada. A decisão é da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI1) do Tribunal Superior do Trabalho, que manteve decisão de primeira instância. 
O fundamento foi a Orientação Jurisprudencial nº 342 da própria SDI-1, segundo a qual não é possível dispor-se sobre o intervalo intrajornada por meio de negociação coletiva, sendo inválida cláusula que considere a sua redução ou supressão.
O operador acionou a Justiça do Trabalho ao ser demitido, sem justa causa, depois de 28 anos de trabalho. Segundo informou, trabalhava em dois períodos, das 13h às 22h e de 22h às 6h, e também além desse horário e aos sábados. Alegou que a Philip Morris não respeitava o limite de oito horas diárias e 42h30 semanais nem a correta concessão dos intervalos intrajornada, previstos no artigo 71 da CLT.
Pelos cartões de ponto, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul (RS) verificou que o operador usufruía uma hora diária de intervalo, mas após a primeira hora de trabalho, ou seja, trabalhava sete horas contínuas sem descanso, contrariando o estabelecido na CLT (intervalo de uma hora quando a duração do trabalho exceder seis horas). Assim, condenou a Phillip Morris a pagar-lhe 45 minutos como extras nos dias em que trabalhou por mais de seis horas contínuas, com reflexos em todas as verbas legais.
Mantida a condenação pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), a empresa apelou ao TST. Argumentou não haver obrigação legal de que o intervalo seja concedido somente depois da sexta hora trabalhada. Afirmou ainda que o momento da concessão estava devidamente previsto nos acordos coletivos.
A 5ª Turma, que examinou o recurso de revista, observou que o intervalo visa preservar a saúde e a segurança do trabalhador, e deve ser usufruído, necessariamente, durante a jornada de trabalho, e não antes, quando o empregado está descansado, nem depois, quando não necessita permanecer na empresa.
A Phillip Morris tentou, ainda, embargar a decisão com recurso à SDI-1, com os mesmos argumentos. Mas para o relator, ministro Horácio de Senna Pires, essa prática é incompatível com a intenção da lei, cuja finalidade é o descanso e a recuperação de energias após um período de trabalho para que seja possibilitada a sua continuidade. Também afirmou não ser possível sua alteração por meio de norma coletiva, ante a posição contrária do TST. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR-41600-15.2009.5.09.0000

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2012

Governo quer aumentar pena para quem omitir socorro

Atendimento emergencial

Governo quer aumentar pena para quem omitir socorro

O governo federal enviou ao Congresso Nacional projeto de lei para aumentar o rigor da pena a instituições e profissionais que condicionarem o atendimento médico-hospitalar emergencial a qualquer tipo de garantia financeira (cheque-caução ou nota promissória) ou procedimento burocrático (formulários). A proposta — elaborada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em conjunto com o Ministério da Saúde — foi enviada pela presidente Dilma Rousseff à Câmara dos Deputados esta semana.
O PL 3.331/2012 propõe a inclusão, no Código Penal brasileiro, do crime de "condicionar atendimento médico-hospitalar emergencial". Atualmente, esse tipo de prática pode ser enquadrada como omissão de socorro ou negligência, mas não há referência expressa quanto ao não atendimento urgente de saúde. "A medida visa punir com maior rigor os responsáveis por estabelecimentos de saúde que neguem atendimento emergencial a qualquer pessoa que busque atendimento emergencial", explica o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
A pena proposta para o novo crime é detenção de três meses a um ano e multa, podendo ser aplicada em dobro quando a prática resultar lesão corporal grave, e até o triplo se resulta em morte. Hoje, a punição prevista para omissão de socorro é de detenção de um a seis meses ou multa, aumentada de metade, se resulta lesão corporal grave, e triplicada, se resulta a morte.
O projeto de lei também prevê a obrigatoriedade de os estabelecimentos afixarem, em local visível, cartaz ou equivalente com a informação de que constitui crime a exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra garantia financeira e preenchimento prévio de formulários para o atendimento.
Como noticiou a ConJur, outras discussões sobre planos de saúde estão pipocando em todos os poderes da República. O Superior Tribunal de Justiça decidirá se planos de saúde podem rescindir por conta própria o contrato com pessoas de mais de 60 anos. Outro Projeto de Lei, o 407/11, o qual está sendo discutido por comissões no Senado, pretende reconhecer o direito à reparação por danos morais de pacientes que tiveram atendimentos de urgência ou emergência negado sem justificativa.
No STJ
A discussão que se encontra nas mãos dos ministros do STJ vai definir se é possível a rescisão de contratos coletivos unilateralmente pelas seguradoras de saúde. Atualmente, a votação está suspensa, por pedido de vista da ministra Isabel Galotti.

Os Embargos de Divergência em Recurso Especial em julgamento no tribunal superior diz respeito a um seguro coletivo da SulAmérica, no qual os usuários chegaram a uma idade média avançada que, de acordo com a seguradora, tornou o seguro inviável. Ela então rescindiu o contrato unilateralmente. A razão apontada pela seguradora para tal rescisão é que o contrato individual é celebrado com uma pessoa, analisando condições físicas e idade. O contrato coletivo não examina cada segurado, apenas uma relação entre a estipulante e a seguradora.
O argumento não convenceu o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão. Em seu voto pela impossibilidade da rescisão do contrato, citou que o seguro visa atender a necessidade e o direito à saúde e, levou em conta também o Estatuto do Idoso, afirmando que haveria discriminação na rescisão do contrato por causa de idade. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino.
Se o recurso for conhecido pela maioria, outros quatro ministros terão de analisar o seu mérito, além de Uyeda e Araújo. Assim, o placar que está em três a zero, ainda teria seis votos para definir a disputa.
No Senado
Uma proposta para alterar a Lei 9.656 foi aprovada no dia 29 de fevereiro pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado. A mudança pretende obrigar os planos e seguros de saúde a reparar danos morais causados a pacientes que tiveram atendimento negado em casos de urgência e emergência.

A lei considera casos de emergência "os que implicarem risco imediato e lesões irreparáveis para o paciente, caracterizados em declaração do médico assistente". Os casos de urgência são "resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional". O atendimento nos dois casos é obrigatório. Com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério da Justiça.

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2012

Exigir caução em atendimento de emergência é crime

Omissão de socorro

Exigir caução em atendimento de emergência é crime

A lei que torna crime a exigência de cheque caução, nota promissória ou preenchimento de formulário como garantia de pagamento para atendimento de emergência em hospitais particulares foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (29/5).
A Lei 12.653, de 2012, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, altera o Código Penal ao incluir um complemento junto ao artigo 135, que trata da omissão de socorro. Agora, estará incluso o artigo 135-A, que trata do "condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial".
Quem incorrer no delito poderá ser condenado de três meses a um ano, mais multa. A pena pode dobrar se, da falta de atendimento, a vítima tiver lesões corporais graves e, triplicada, em caso de morte.
Com a lei, todo estabelecimento de saúde que faça atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com o texto da lei. O governo federal apresentou a proposta um mês após a morte do secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, 56 anos, vítima, em janeiro deste ano, de um infarto depois de ter procurado atendimento em dois hospitais privados de Brasília. As instituições, segundo a família, teriam exigido cheque caução.
Como noticiou a revista ConJur, outras discussões sobre planos de saúde estão sendo travadas. O Superior Tribunal de Justiça decidirá se planos de saúde podem rescindir por conta própria o contrato com pessoas de mais de 60 anos. Outro Projeto de Lei, o 407/11, o qual está sendo discutido por comissões no Senado, pretende reconhecer o direito à reparação por danos morais de pacientes que tiveram atendimentos de urgência ou emergência negado sem justificativa.

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2012

BANCO DE DADOS - DNA

Banco de dados

Condenados por crimes hediondos deverão ceder DNA
Condenados por crimes hediondos ou crimes violentos contra a pessoa, como homicídio, extorsão mediante sequestro, estupro, poderão ceder seu material genético para uma catalogação específica. A Lei 12.654, de 2012, que cria um banco de DNA de condenados por crimes violentos, foi publicada nesta terça-feira (29/5) no Diário Oficial da União.
De acordo com o texto, os condenados "serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor". "A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo."
Embora tenha levantado dúvida em relação a sua constitucionalidade, como noticiou a Consultor Jurídico, criminalistas elogiaram o sistema, que pode ajudar nas investigações de crimes cometidos por ex-detentos, ou seja, os reincidentes. “Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial”, diz a lei.
A lei determina ainda que "as informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos".

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2012

SEXO SEM PROTEÇÃO.

Sexo sem proteção

Transmissão de HIV configura lesão corporal grave

Ao praticar sexo sem segurança, o soropositivo assume o risco de contaminar a pessoa com quem se relaciona. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal, ao julgar pedido de Habeas Corpus, relatado pela ministra Laurita Vaz.
O caso julgado diz respeito a um portador de HIV que manteve relacionamento amoroso com a "vítima". Inicialmente, o casal fazia o uso constante de preservativo, mas, depois, as relações passaram a ser consumadas sem proteção, quando, então, o vírus foi transmitido. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.
Na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal contra a qual foi impetrado o Habeas Corpus, ficou decidido que, ao manter relações sexuais sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua parceira. O tribunal também considerou que mesmo que a "vítima" estivesse ciente da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída, pois o bem jurídico protegido é indisponível. O réu foi, então, condenado a dois anos de reclusão.
No STJ, a defesa foi clara: o crime não havia sido consumado, pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física. O argumentou não foi aceito pela ministra Laurita Vaz, que entendeu não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior, e lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de HC.
Para a ministra, a Aids é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do Código Penal, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código, que tratam da periclitação da vida e da saúde. Segundo ela, mesmo permanecendo assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para a enfermidade. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
HC: 160982

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2012

LEIS INJUSTAS.

Leis injustas

Direito de Estado ou Direito de juristas?

Antes de tudo, o imperativo: sê pessoa e respeita os outros como pessoas!
Nesse sentido pode ser compreendida a afirmação de todo Direito e de sua indispensabilidade. Numa paráfrase à concludente Hannad Arendt, último e verdadeiramente fundamental direito do homem é, afinal, o “direito ao direito”. Assim sendo, o Direito só concorre para a epifania da pessoa se o homem logra culturalmente a virtude para esse fundamental direito.
Só que, se a decorrência é essa, poderá se dizer: sentido e condições difíceis! De fato!
Mas nos parece que o mais nobre é sempre o mais difícil. E, como apelante tarefa para além das palavras (sentido), estas, sobretudo, significam algo. Porém, a vida, nas suas últimas exigências em que verdadeiramente se é, está para além delas. Mas essa é uma concepção! Uma outra é acentuada dentre pensadores medievais como Ockam, para o qual o Direito não corresponde a esse fundamento intrínseco. É, em vez disso, produto de uma potestas. Como assim é, portanto, o legislador quem determina o direito e, também, o anti-direito. Essas são duas concepções contrapostas, desde os fatores que lhes são originários e determinantes.
A primeira concepção se dispõe a um direito prudencial — em que o Direito se desvela pela autoridade do “prudens” que diferencia o justo do injusto — ; a segunda, tem o seu ponto angular na potestas a partir da qual podem decorrer todas as normas e, por consectário, a própria configuração da ordem jurídica. Diante disso, pode-se inferir, muito sinteticamente, que a contraposição dessas concepções é a própria contraposição da consideração do Direito como expressão cultural à consideração do Direito como manifestação política. Com o prevalecimento da segunda concepção, desde a Idade Média, não surpreende que o Direito tenha passado a existir apenas no Estado e para o Estado. Não surpreende que o jurista tenha deixado de ser prudens — conditor iuris — para se converter num servil aplicador da lei.
É deste modo que, se por um lado, as atividades interpretativas foram formalmente limitadas ao jurista, por outro lado, ocasionou-se a progressão da política como elemento necessário à própria compreensão do que seja Direito. É deste modo, também, que, aos poucos,  brocardos como na clareza da lei cessa a interpretação e dura lex sed lex tiveram constância tal ao ponto de uma proibição da interpretação das leis (v.g., o A .I.R. prussiano, além de tantos outros exemplos possíveis). Destarte, não é nem um pouco incompreensível como actualmente a prudência — enquanto prudência dos juristas, que deliberava sobre o justo e o injusto — tenha passado a significar a pletora das atividades dos tribunais.
A propósito de se aludir mais, se considerada a circunstância reminiscente de um Estado liberal ou, mesmo, iluminista, também não é incompreensível a concepção da atividade judicial como tão só observância cega pensante da atividade legislativa. Portanto, o juiz tem de ser mais do que apenas um his master voice (ditor da lei)!
Mas é na II Guerra Mundial que se encontra um exemplo elucidativo para se colocar em questão a suficiência do Estado, já que evidencia a insuficiência da autoridade (poder) política para determinar o Direito. Ao passo que os Estados alemães que sucederam ao III Reich postularam a existência de um dever de desobediência em relação à ordem jurídica antecedente, portanto, de uma legítima resistência aos preceitos considerados delituosos, os tribunais desses Estados não só desconsideraram uma tal alegação como também a alegação de uma atuação sob estado de necessidade. Nesse sentido não só os atos praticados foram considerados ilícitos como as ordens concretas e mesmo os preceitos abstratos. Os julgadores que os aplicaram foram responsabilizados criminalmente.
Vê-se, pois, que se uma dada lei é expressão da vontade geral ou, em outros termos, de um corpus político, in abstrato, não poderia se contar com leis injustas, porque ninguém é injusto para consigo próprio. Todavia, quando a lei é colocada em causa, o tribunal é chamado a dizer o que designadamente é direito. Neste ponto, a resposta já não tem condição de ser proporcionada pelo Direito de Estado, porque quando o Direito de Estado se coloca acima de todos os integrantes da sociedade, já está colocado o temor. A resposta, aqui, tem de ser colocada pelo cultor iuris: o jurista. Portanto, saber se a ordem jurídica é justa ou injusta é uma questão para juristas, devendo ser, inclusivamente, o juiz, bem mais do que um his master voice, eis que na construcção jurisprudencial que se realiza o Direito vivo se dá vida aos direitos.
Além disso, a própria lei só pode de algum modo conter Direito se sufragada pela opinião comum. Deste modo, a impugnação de uma norma ou ordem jurídica pelos juristas retira-lhe toda a possibilidade de se apresentar senão como expressão de uma potestas. Num momento em que se encontra uma verdadeira sorte de mortificação espiritual da Ciência Jurídica, somente uma degenerescência do legalista e uma regeneração do jurista possibilitará uma optmização necessária ao direito com vistas à concretização do desiderato da Justiça em vez de ser serventuário da política.
Evidentemente, a problemática não tem só um caráter exemplar histórico, mas, conduz à interrogação de se uma ordem jurídica pode ser elevada pelo reconhecimento dos juristas como fator de legitimação dela quando o poder político  tantas vezes lhes subjuga. Em face de tudo isso, há de se pensar o essencial: primeiro sê pessoa!"

Kelly Susane Alflen é advogada, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade do Porto (Portugal) e professora da Faculdade de Direito de Santa Maria (RS).

FONTE:Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2012

terça-feira, 29 de maio de 2012

RioCard deve informar saldo existente em cartão


Direito à informação

RioCard deve informar saldo existente em cartão

As empresas de transporte coletivo do estado do Rio devem informar aos usuários do RioCard ou sistema equivalente os valores remanescentes creditados como vale-transporte. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que a conduta adotada pelas empresas de transporte coletivo de omitir o saldo do cartão naquelas contas superiores a R$ 20,00 viola o direito do consumidor à informação e é passível de responsabilização judicial.
De acordo com o Ministério Público, desde julho de 2005, as empresas de transporte deixaram de informar ao usuário o saldo dos cartões, o que compromete aqueles que pegam várias conduções em um só dia e ficam sujeitos a não ter como pagar uma das viagens por saldo insuficiente. Segundo o MP, o número de validadores existentes nas casas de comércio é pequeno e desproporcional à massa de usuários que usam o sistema e falha ao não informar adequadamente o consumidor sobre o valor disponível.
O Ministério Público ajuizou ação contra a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) para que ela volte a informar o saldo total do bilhete, por meio de todos os validadores do bilhete eletrônico RioCard ou outro equivalente, seja no momento da recarga, seja no da realização do débito das tarifas. O Ministério Público pediu também que os usuários recebessem compensação por dano moral pela omissão das empresas de ônibus.
Na ação, o MP assinalou que a falta de informação do sistema contraria inclusive propaganda divulgada pela Fetranspor. Pediu a compensação por danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil a cada mês que a entidade deixasse de prestar as informações de maneira adequada.

Os argumentos e a decisão
A Fetranspor alegou que não poderia pagar indenização aos passageiros porque atua por delegação das empresas filiadas, na qualidade de entidade sindical, e não recebe remuneração pela emissão dos bilhetes. Afirmou também que o Ministério Público não poderia atuar na causa porque não haveria relação de consumo entre a entidade e os usuários. Para a Fetranspor, os trabalhadores não adquiriam os créditos de passagem na condição de consumidores, mas em decorrência de uma relação de emprego.

A 3ª Turma considerou que o Ministério Público tem legitimidade para propor ação porque se trata de direito individual homogêneo, ou seja, de todos os usuários do transporte público na região metropolitana do Rio de Janeiro, o qual possui sistema de bilhetagem eletrônica, ficando evidenciada a sua relevância social.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, a Lei 7.347/85, que dispõe sobre a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública, é aplicável a quaisquer interesses de natureza transindividual, tais como definidos no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, ainda que eles não digam respeito às relações de consumo. Para justificar a atuação do órgão, basta a demonstração da relevância social da questão.
Também ficou definido que a Fetranspor deve responder judicialmente pelas empresas porque a responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de fornecimento é objetiva e solidária, conforme os artigos 7º, parágrafo único, 20 e 25 do CDC.
No mérito, a ministra Nancy Andrighi destacou que a falta de acesso à informação suficiente e adequada sobre os créditos existentes no bilhete eletrônico viola o disposto nos artigos 6º, III, e 30 do CDC, especialmente quando foi garantida em propaganda veiculada pelo fornecedor. Ela assinalou que, muitas vezes, as pessoas saem de suas casas apenas com cartão eletrônico e sem dinheiro extra para pagar a condução, e precisam saber exatamente qual o crédito existente em seus cartões para se programar.
Para a ministra, a simples demonstração gráfica da redução dos créditos, como ocorre, não satisfaz essa necessidade, “até porque ninguém é obrigado a interpretar gráficos quando tem o direito de saber qual o valor exato, em moeda corrente, dos créditos que possui no cartão eletrônico”.
“Se todos os validadores são aptos a prestar informação completa ao consumidor, não há razão para que este se restrinja àqueles localizados em algumas poucas lojas e supermercados, aos quais nem todos os consumidores têm acesso”, ressaltou. “Menos ainda se justifica que essa informação fique disponível apenas na internet, tendo em vista que o acesso ainda é restrito”, acrescentou.
A 3ª Turma concluiu que aqueles consumidores que se sentirem lesados ou sofrerem algum constrangimento pela falta de informação podem ingressar com ação individual para tentar obter reparação na Justiça. Entretanto, a Fetranspor não precisa pagar indenização por meio de liquidação de sentença coletiva, como queria o Ministério Público, por se tratar de dano incerto.
Para a relatora do processo, embora a situação possa ter causado aborrecimentos aos trabalhadores, “não há dano moral quando os fatos narrados estão no contexto de meros dissabores”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1099634

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2012